Gustavo Gaspar Duarte, delegado de saúde de Matosinhos desde 2018, disse, esta segunda-feira, em tribunal que na primeira inspeção que fez ao Lar do Comércio, em julho de 2019, constatou condições degradantes. A direção mudou, mas o Ministério Público confirmou que tem “vários inquéritos” após novas queixas.

“Baratas mortas, falta de higiene e limpeza, alimentos sem condições para consumo”, recordou, esta seguna-feira, no tribunal de Matosinhos, quatro anos depois de elaborar o relatório que lhe fora solicitado pelo Instituto de Medicina Legal, no âmbito de um inquérito aberto pelo Ministério Público, após queixas e participações. Segundo o MP, entre 2018 e 2020, foram maltratados 67 utentes do Lar do Comércio, crimes agravados pela morte de 17 deles. Estão a ser julgados por estes crimes, desde fevereiro, um ex-presidente da direção e uma ex-diretora de serviços do lar.

Gustavo Gaspar Duarte, médico especialista de Saúde Pública, não tartamudeou ao acrescentar que a generalizada falta de condições mínimas de salubridade, para além da cozinha, se estendia aos gabinetes médicos e à enfermaria da instituição

Do longo depoimento de Gustavo Duarte, é de salientar o que reparou na enfermaria, para além da pouca higiene: “não havia identificação” nos leitos dos utentes acamados, situação “anómala” porque passível de provocar “confusão” no que toca a medicação e outros tratamentos.

A seguir ao delegado de saúde, o tribunal chamou a depor uma técnica de saúde ambiental. Maria de Fátima Sousa, que participou na equipa multidisciplinar que participou na inspeção de 2019, corroborou o testemunho anterior.

Recordava-se das baratas mortas, do equipamento e instrumentos da cozinha sem condições de higiene e “obsoletos”; afirmou que a falta de higiene lhe pareceu generalizada; salientou entre outros, os travesseiros e colchões da enfermaria nada indicados para o efeito – os leitos não eram impermeáveis e as almofadas era do tipo “decorativas”.

Utente nonagenária esquecida

A terceira testemunha a ser chamada, esta segunda-feira, foi a nonagenária Rosa Macedo. A senhora, que esteve internada no Lar com o marido, entretanto falecido, já não se lembrava do que aconteceu há mais de quatro anos, altura em que fez queixa contra o Lar, sobre o tratamento que davam ao marido, nomeadamente quando o viu “amarrado à cama”.

Rosa, pacientemente questionada pela juiz-presidente, não conseguiu responder a nada. Mas quanto aos arguidos, reconheceu-os na sala e salientou que não gostava nada “do senhor presidente”. Não soube explicar porquê, mas manteve que “não gosto dele”.

Situação longe de resolvida

O procurador da república afirmou ontem, durante o julgamento, que, malgrado a mudança de direção – o atual líder era membro da direção anterior – continua a haver queixas contra o Lar do Comércio de Matosinhos, estando em curso investigações em “vários inquéritos”.

“Consciência” dos crimes cometidos

Segundo o MP, os arguidos sabiam que a instituição que dirigiam “dispunha de meios económicos” para acorrer às inumeráveis e degradantes condições em que mantinham os utentes. E, “conscientemente”, nada fizeram “por razões de diminuição e contenção de gastos”, violando gravemente, continua o MP, “as funções dos cargos que ocupavam”.

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