Sem sintomas e surpreendida pelo teste positivo à covid-19, Ana não viu nem tocou nos filhos gémeos no nascimento.
“Fui mãe, mas não me sentia mãe”. As palavras escorrem da memória confessadamente dolorosa dos primeiros dias de maternidade. Ana Silva começou e findou esta segunda gravidez com surpresas: a primeira foi a abençoada estupefação dupla de estar grávida de gémeos, o Carlos e a Francisca. “Não estava a contar com mais nenhum, quanto mais dois bebés”, que se juntam à Carolina, de três anos. Foi há um mês que a família da Maia cresceu de três para cinco.
A segunda surpresa foi a de se saber positiva. O teste, feito a todas as grávidas em final do tempo no Hospital de Pedro Hispano (Matosinhos), retornou com o diagnóstico de covid-19. “Nunca tive sintomas”, certifica Ana, que, de imediato, procurou esclarecer se a infeção molestava também o marido e a pequena Carolina.
“Liguei para a linha SNS24 e expliquei que, como havia a questão de quem teria de cuidar dos bebés, era preciso que o pai fizesse o teste. Recusaram. Foi uma médica do Centro de Saúde Maresia, que me ajudou e prescreveu os testes”. Pai e filha, ambos negativos. Um “enorme alívio”. O pior foram os dias que se seguiram.
“No parto, só conseguia ver olhos e ouvia muito mal o que me diziam. Eu ouvi os bebés a chorar ao longe, mas não deram autorização para vê-los. Eles nasceram de 37 semanas e com bom peso”, afiança. O pai só soube do nascimento por telefone, quando Ana chegou ao recobro. Não pôde amamentar e, quando teve alta, eles permaneceram no hospital.
“Fui mãe, mas não me sentia mãe”, repete Ana. “Não pude estar com eles, senti-los, cheirá-los… Entrei grávida e saí de barriga vazia”. Esta recordação do nascimento dos gémeos que lhe falta ainda hoje pesa, tanto mais que, no mesmo dia 16 de abril, nasceu outro par de gémeos de uma mãe com covid-19 em Espanha. “O pai esteve no parto e ela pegou nos bebés, de máscara, claro. Mas eu não pude”.
Enfermeiras tiram fotos
De manhã, as enfermeiras enviavam-lhe fotos do Carlos e da Francisca, para amenizar a saudade. “Eu olhava e não tinha a sensação de que eram meus filhos e até são parecidos com a irmã. Ela é morena e ele é louro.”MAIORIA DAS 84 MÃES INFETADAS COM COVID-19 NÃO TINHA SINTOMASVER MAIS
O regresso a casa, 48 horas depois da cesariana, só agudizou o tormento. Com a Carolina ciente de que estava em casa e obrigada à reclusão solitária no quarto, os dias que se seguiram foram os mais penosos. “Ela batia à porta, chorava, porque queria estar com a mãe. Não percebia que não podia. Chegou a dizer que estava doente como eu, só para tentar estar comigo. Foi uma tortura. Chorei todas as noites”, confidencia.
Depois da mais longa semana da sua vida, o novo teste à covid-19 veio negativo. “Felizmente…”, suspira. Confirmou-se que a infeção foi vencida e, no dia 23 de abril, pôde trazer os bebés para casa e decorar-lhes as feições. “Só quando cheguei a casa é que pude pegar neles pela primeira vez e confirmar que tinham os dedinhos todos. E achei-os ainda mais bonitos do que nas fotos”.
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