Eunice Rodrigues vive os dias entre quatro paredes, em silêncio, dentro de um dos quartos de uma casa cheia na Maia, para que a filha de dois anos não a encontre.
“Ela não me viu chegar do Hospital de S. João [no Porto] e nem sabe que estou em casa. Passa pelo corredor, mas vai ignorando a porta do quarto fechada. As filhas mais velhas já sabem que a mãe tem um bicho estranho e invisível”. Como os primeiros testes feitos ao resto da família foram negativos, mantém-se recolhida, à distância.
Foi mãe pela quarta vez há cinco dias e nunca imaginou que, após o parto, estaria isolada, longe do seu bebé e das três meninas de dois, de cinco e de dez anos, ansiosas por mimar o irmão Jaime. Mantém-se serena. Interiorizou o “processo” que vivencia com o olhar mais além, no dia em que vai mimar o bebé. A data do reencontro é incerta, mas desdramatiza o diagnóstico positivo de Covid-19, que a surpreendeu e que só conheceu um dia antes do nascimento de Jaime.
“Eu praticamente não tenho sintomas. Só perdi o olfato e o paladar há uma semana. Desconsiderei por não ter febre. Pensei que fosse uma constipação. Nunca me passou pela cabeça que estivesse positiva”, admite. Como foi grávida de risco, “está recolhida” em casa há muito tempo. “Os primeiros meses foram muito complicados e, por isso, nunca fui uma grávida de passeio de shopping ou de praia. Não sei como isto me aconteceu”. E só descobriu porque todas as grávidas são testadas para despistar a infeção por coronavírus no Hospital de S. João. A notícia chegou por telefone, na terça-feira, um dia depois de ter sido assistida na Urgência por uma perda de sangue às 40 semanas de gravidez.
Viu o bebé só no dia do parto
Nesse mesmo dia, entrou em trabalho de parto e foi transportada ao hospital pelos bombeiros, acompanhada por um médico do INEM. “A equipa preparou-se para receber-me. Os corredores estavam desobstruídos, levaram-me para uma sala diferente da habitual sala de partos e o Jaime nasceu”. E aquele momento foi o único em que colocou os olhos no seu menino. “O Jaime foi deitado em cima da minha barriga, completamente tapado. Eu também estava tapada. A diferença para os partos das minhas filhas é de que o bebé não tocou em mim”, recorda Eunice, que lembra ainda quando o médico lhe perguntou se podia levar o bebé. Disse o sim convicto, com a força que lhe vem do terror de arriscar a saúde do pequenino.
Ela ficou na sala, acompanhada por uma enfermeira, até ser colocada numa enfermaria com outros “indiciosos”. Cada um restrito ao seu espaço. “Nunca mais vi o Jaime, mas ele está bem. O primeiro teste deu negativo e a equipa médica tem partilhado vídeos e fotografias”. Imagens que ajudam a suportar este isolamento.
No regresso a casa e com o teste do marido negativo, a equipa médica ofereceu-lhe a opção de levar o Jaime para a casa. Engoliu a emoção e recusou. “Há uma forte probabilidade de o pai e das meninas ainda darem positivo, porque o meu marido tem os mesmos sintomas. Era um risco enorme trazê-lo para casa e ia arrepender-me para o resto da vida. Estou a afastar o meu bebé de mim para protegê-lo”, sentencia, com uma certeza tranquila desarmante.
Eunice consciencializou-se do “sacrifício” a fazer pela segurança do Jaime e deseja que a sua experiência possa “acalmar” outras grávidas. “O bicho já cá está e não pode haver cisma. Preciso de me focar para o bem do Jaime. Ele está bem. Todos os minutos são contados, mas ele estará comigo em breve”. A mãe de 40 anos prepara-se para esse reencontro, estimulando a amamentação com uma máquina. Tira o leite e deita-o fora.
Para já, o bebé é alimentado com leite artificial. Quando chegar, terá muito leite da mãe. “Tenho a sorte de produzir muito leite, mas eu continuo a estimular. Cada gota que retiro é a pensar que, daqui a nada, ele já estará em casa a mamar”. Mas só virá quando a mãe estiver bem.
Os bebés de mães com Covid-19 nascem infetados?
Até ao momento, tudo aponta para o contrário. Em Portugal, todos os bebés nascidos de mães com Covid-19 foram testados e o diagnóstico foi sempre negativo. O Jaime é o quarto bebé a nascer no Centro Hospitalar de S. João, no Porto, de uma grávida infetada e nenhum dos recém-nascidos estava infetado.
Todas as grávidas devem fazer teste à Covid-19?
As orientações mais recentes da Direção-Geral da Saúde é de que todas as grávidas façam o teste antes do parto. Outros grupos prioritários no acesso ao despiste são os doentes a internar em unidade hospitalar ou a transferir para a rede de cuidados continuados, os recém-nascidos e os profissionais de saúde sintomáticos.
O que fazer se a grávida tiver um teste positivo ou haja suspeita de infeção?
As grávidas infetadas e sem sintomas graves ficarão em casa e serão acompanhadas pela equipa médica através de teleconsulta até ao momento do parto. Os hospitais são obrigados a criar dois circuitos distintos, separando as grávidas infetadas das restantes.
As grávidas infetadas podem ter acompanhantes no momento do parto?
Não, o parto terá de ser realizado em salas isoladas e preferencialmente de pressão negativa, com todos os profissionais de saúde devidamente equipados. A DGS quer o menor número possível de intervenientes no parto. Desde a publicação destas normas, muitos hospitais públicos estão a proibir a entrada de acompanhantes nos partos de mulheres saudáveis e a restringir ou a proibir visitantes.