A atleta do Acro Clube da Maia alcançou há dias o melhor resultado de sempre da ginástica artística portuguesa nos Mundiais disputados no Japão. Aos 25 anos sente-se no melhor pico de forma, já sonha com os Jogos de Paris 2024 e espera inventar mais movimentos. Mesmo que ache que em Portugal não se pode viver da ginástica.
Filipa Martins há muito que vem obtendo resultados de excelência na ginástica artística portuguesa, mas saltou definitivamente para a ribalta mediática no recente Campeonato do Mundo, realizado em Kitakyushu, no Japão. O sétimo lugar no concurso completo e o oitavo nas paralelas assimétricas foram os melhores resultados da história da ginástica artística portuguesa.
A ginasta colheu o fruto do muito trabalho e tempo despendido desde que há 21 anos entrou para este mundo. E a própria reconhece que 2021 foi um ano de sonho: antes destes magníficos resultados no Campeonato do Mundo, tinha alcançado a sua primeira final de paralelas no Europeu, criou um elemento com o seu nome – movimento Martins, desenvolvido em tempos de pandemia – e participou nos Jogos Olímpicos.
É comum pensar-se que uma ginasta de 25 anos já é veterana, mas promete não ficar por aqui e olha com grande ambição para os Jogos Olímpicos 2024, em Paris. Sempre no Acro Clube da Maia, clube que representa desde 2019 e onde confessa sentir-se em casa.
Conseguiu um feito notável, nunca antes obtido na ginástica artística portuguesa. Pensa que foi o auge da sua carreira ou ainda tem a ambição de conseguir algo maior?
Sem dúvida que esta participação nos Mundiais de ginástica artística foi um dos momentos mais altos da minha carreira. Posso mesmo considerar que este foi o melhor ano da minha carreira, juntando este desempenho à participação nos Jogos Olímpicos e aos resultados que obtive nos Europeus. Desde pequena que sou muito focada e estabeleço objetivos concretos. Claro que não vou parar por aqui e quero continuar a lutar pelos meus sonhos.
À partida para estes Mundiais estava confiante de que poderia obter resultados tão relevantes?
Por um lado sentia que seria difícil, pois tem sido um ano muito complicado e desgastante, com Europeus, Jogos Olímpicos e Mundiais, sem tempo para descansar. Por outro, sentia que estava no pico da minha forma e por isso estava com boas expectativas. Até porque algumas das melhores ginastas não estariam presentes, devido ao desgaste dos Jogos Olímpicos. Mesmo tendo a noção de que podem aparecer novos valores que podem surpreender… Mas sim, no geral, estava confiante que podia conseguir algo de bom.
Certamente recebeu muitas felicitações. O Presidente da República foi uma das pessoas que lhe deram os parabéns?
Não, não me deu os parabéns [risos]. O nosso desporto não tem uma bola, por isso fica difícil de acontecer.
Agora vai ter finalmente tempo para descansar deste ano tão desgastante…
Sim, sim, um pouco. Para além de descansar, vou investir na minha licenciatura em Ciências do Desporto, que tem sido deixada para segundo plano. Estou no último ano e quero terminá-la. Mas atenção, quando falo em descansar, não quer dizer que vá deixar de treinar. Aliás, aproveitando o facto de ter um período longo sem competições, vou aproveitar para treinar coisas e movimentos novos.
Por falar em novos movimentos, como surgiu o célebre movimento Martins, em paralelas assimétricas, com o qual brilhou nos Mundiais de ginástica artística?
Na pandemia estava sem competições e decidi “inventar” um pouco. Este movimento já existia, mas com outras variantes. As paralelas assimétricas têm uma barra mais alta e outra mais baixa, a que chamamos banzos e este elemento realiza-se no banzo superior. Dou um impulso pelo ar largando as mãos, no fundo como um movimento mortal à frente, e depois volto a agarrar a barra com as mãos cruzadas. É muito difícil de executar. Foram nove meses de muitas experiências e milhares de quedas. Ao fim de um ano e três meses ainda não sinto que o movimento esteja perfeito, mas claro que já o domino bastante bem.
Quais são os seus próximos objetivos?
Para já, descansar um pouco e recuperar a 100% dos meus problemas físicos. Depois, iniciar um novo ciclo, que vai culminar a longo prazo, nos Jogos Olímpicos de Paris 2024. Mas isso ainda vem longe e tenho de conseguir a qualificação para os Jogos. Antes tenho o Campeonato da Europa em agosto de 2022 e o Campeonato do Mundo em outubro do mesmo ano.
Com que idade começou a praticar ginástica?
Tinha quatro anos, foi a mãe de um amigo meu que perguntou se eu queria começar a praticar. Eu fui, confesso que não me recordo do primeiro dia, mas lembro-me bem que adorava aquilo. No fundo, a ginástica servia para eu gastar energias, virar-me de cabeça para baixo e fazer palhaçadas. Era impossível uma criança não gostar de estar naquele ambiente…
E quando percebeu que a ginástica era para levar a sério?
A partir dos 10, 11 anos, quando comecei a representar a seleção nacional. Recordo-me bem do meu primeiro Campeonato da Europa em 2010, tinha 14 anos e apercebi-me que realmente tinha talento e que se fosse muito focada poderia conseguir bons resultados. Tenho de agradecer muito aos treinadores que trabalharam comigo, pois conseguiram detetar o meu talento e desenvolvê-lo.
Tem algum ídolo na ginástica?
Sim, a Dominique Moceanu, ex-ginasta norte-americana que esteve em grande plano nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996. Nessa altura, tinha acabado de nascer, não tive a oportunidade de a ver competir ou de treinar com ela, mas sem dúvida que me inspirou. Também me inspiro no tenista Rafael Nadal. Tive a oportunidade de viajar com ele no cockpit do avião para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, e foi uma experiência inesquecível.
Representa o Acro Clube da Maia desde 2019. Como tem sido esta relação?
Muito boa. Tenho sentido total apoio por parte do Acro Clube da Maia e estou muito feliz por representá-lo. Certamente irei continuar por aqui.
Alguma vez teve o desejo de se mudar para o estrangeiro ou pensa que em Portugal tem todas as condições para se desenvolver enquanto atleta de alto nível?
Não temos todas as condições, nem nada que se pareça. Falta material, fisioterapeutas, psicólogos… mas na verdade nunca pensei em ir para o estrangeiro, pois não me imagino longe da minha família, que tanto me tem apoiado. Sem dúvida que no estrangeiro poderia evoluir a nível técnico, mas porventura poderia ter mais lesões. E certamente não seria tão feliz como em Portugal, junto da minha família.